Feeds:
Posts
Comentários

http://www.ustream.tv/embed/11218274

Live video from your iPhone using Ustream

Transmissão ao vivo do Painel: A Condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Julgamento da ADPF 153

(Broadcasting live at http://ustre.am/L4nU)

http://www.ustream.tv/embed/11218274
Stream videos at Ustream

http://www.ustream.tv/embed/11218274

Free live streaming by Ustream

Vladimir Safatle

*Por César Fraga

O filósofo Valdimir Pinheiro Safatle tem sido uma das principais vozes a criticar a recém-aprovada criação da tão esperada Comissão da Verdade, por considerar a forma como o projeto foi aprovado “vergonhosa”. As decisões foram tomadas apenas entre líderes de partidos e resultaram em uma forma velada de abafar uma averiguação séria do período histórico brasileiro entre 1964 e 1984, segundo ele. Safatle é Professor Livre Docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo. Foi professor visitante das Universidades de Paris VII, Paris VIII, Toulouse e Louvain, além de responsável por seminário no Collège International de Philosophie (Paris). Desenvolve pesquisas nas áreas de epistemologia da psicanálise e da psicologia, desdobramentos da tradição dialética hegeliana na filosofia do século XX e filosofia da música. É um dos coordenadores da International Society of Psychoanalysis and Philosophy. Possui graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1994), graduação em Comunicação Social pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (1994), mestrado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Lieux et Transformations de la Philosophie – Université de Paris VIII (2002).
Extra Classe – Como surgiu a Comissão da Verdade da forma como foi aprovada?

Vladimir Safatle – É importante lembrar que a Comissão da Verdade nasceu por meio de um pedido de votação de urgência urgentíssima do governo. Era de se esperar, no mínimo, que um projeto dessa magnitude fosse objeto de discussão de vários setores da sociedade dentro do Congresso Nacional.

EC – Foi uma manobra para enfraquecer uma eventual proposta mais radical? 

Safatle – Foi uma maneira mais ou menos deliberada de cortar uma discussão no interior da vida social, porque o governo tem medo de que degringole, de alguma forma, em uma espécie de pugilato entre vários setores da sociedade. O que é uma coisa completamente inaceitável. Um projeto dessa natureza deveria ter sido de uma extensa discussão no Congresso, que é a casa onde esse debate deveria ter ocorrido, com participação não só dos familiares dos desaparecidos e vítimas, mas, inclusive, de historiadores, advogados ligados aos direitos humanos, representantes dos movimentos pelos direitos humanos de outros países, que pudessem trazer suas experiências ou o resultado do que foi feito e como foi feito. Para que a sociedade pudesse ter um pouco mais de clareza sobre o que está sendo discutido e por que essa questão é tão importante.

EC – Que pontos o senhor considera mais críticos no projeto?

Safatle – O resultado final do projeto tem pontos absolutamente vergonhosos. O primeiro ponto mais grave e que passou agora, graças a uma intervenção do DEM, é que os membros da comissão devem ser isentos. Tenho dificuldade em admitir que alguém possa ser imparcial, aliás, este foi o termo utilizado, diante de crimes cometidos pelo estado ditatorial, como tortura, estupro, ocultação de cadáver, assassinato, sequestro, entre outras coisas. Acho que é imoral alguém ser imparcial diante desse tipo de crime, que é tipificado como sendo contra a humanidade e é imprescritível segundo a tradição agora já estabelecida do direito internacional. Dentro do projeto já havia uma série de coisas que são difíceis de se justificar. Primeiro, o período de abrangência, 1946 a 1988, foi uma maneira de retirar o foco do cerne da discussão que é 1964 a 1984, ou seja, a época da ditadura militar. Levando em conta que a comissão terá somente sete membros e que haverá apenas dois anos para se produzir alguma coisa, isso é uma maneira de retirar a capacidade de investigação profunda em relação àquilo que realmente conta.

EC – Sendo esses dois anos insuficientes, a criação desta comissão não acaba sendo pró-forma, mais para dar uma satisfação à sociedade e menos para se chegar a algum resultado que desagrade os militares? Levando em conta a experiência de outros países que instauraram comissões da verdade, a exemplo da África do Sul, como o senhor estabeleceria uma comparação ao atual projeto brasileiro?

Safatle – Houve comissões de outros países que chegaram a ter 200 membros. O governo é tão ciente de que sete é pouco para o trabalho que existe pela frente, que eles já discutem a possibilidade de uma série de assessores que vão girar em torno desses sete membros. É uma demonstração branca de que, de fato, isso não funciona. Não adianta eles lembrarem que a Guatemala teve até menos de sete, até porque é uma piada comparar a situação desse país com a do Brasil. A situação brasileira é completamente diferente em vários aspectos: há dificuldade de acesso ao material; o custo que vai ter tudo isso; a falta de autonomia financeira da comissão. Além do que, sobre a composição, ao que parece, há toda uma discussão de colocar algum membro que mesmo não sendo ligado aos militares, de certa forma seja representante de algum tipo de visão conservadora da história nacional, que é uma maneira de tentar fazer uma política de neutralização da violência (praticada pelo estado) por meio da implementação de uma teoria dos dois demônios. A teoria dos dois demônios é uma coisa que os argentinos souberam criticar muito bem, que era essa ideia que consiste em que, na verdade, houve excesso dos dois lados. Ou seja: tudo bem, houve excesso da ditadura, mas a luta armada também não era composta de santos e também queria estabelecer um regime ditatorial e blá blá blá… Então, neste sentido, as duas coisas se equivaleriam, a soma dá zero e não haveria muita razão para ficar mexendo nesse tipo de problema. Como vão colocar pessoas para bancar esta ideia, então, eles estarão lá para simplesmente atravancar os processos. Sendo que, diga-se de passagem, o uso dessa teoria, que é amplamente utilizada por vários setores da vida nacional, é absolutamente inaceitável, tanto é assim que ninguém usa. O único lugar em que esse tipo de argumento funciona é no Brasil.

EC – Como se deu esse processo na Argentina?

Safatle – Foi um processo de idas e vindas, que iniciou com Alfonsín, depois o Menem suspendeu e o Kirchner retomou. O resultado final é que foi feita uma depuração profunda da história da Argentina, com uma exposição clara da dimensão dos crimes cometidos pela ditadura, o que a gente não tem, diga-se de passagem. A única coisa que se diz aqui é que houve 400 mortos e desaparecidos, mas não se sabe a extensão real dos crimes da ditadura.

EC – E a comissão da verdade criada na África do Sul, depois do Apartheid, até que ponto poderia inspirar o Brasil?
Safatle – Olha, se a gente conseguisse fazer o que a África do Sul fez, provavelmente provocaria uma revolução na história deste país e não tenho medo de dizer isso. E o que eles fizeram? Eles obrigaram todos aqueles que cometeram crimes durante o regime do Apartheid a ficar frente a frente com as vítimas ou familiares destas para pedir perdão. É um tipo de prática que vem de uma tradição tribal deles que se chama Ubuntu, que é um ato social por meio do qual, quando você pede perdão nessas condições, somente a pessoa lesada pode perdoá-lo, o que normalmente ocorre. Ninguém aqui está esperando prender general de 80 anos, mas posso garantir que – se em algum momento da história brasileira aqueles que foram responsáveis por crimes contra a humanidade chegassem diante dos torturados, diante dos familiares e pedissem perdão e esperassem ouvir o perdão de volta – eu garanto que seria um evento de forte impacto no que diz respeito à vida política brasileira. A questão fundamental aqui não é resolver um problema que ficou no passado, mas resolver algo que permanece no presente. Há uma visão completamente deturpada que consiste em imaginar que esses fatos ficaram no passado. Essa é uma visão “instantaneísta” do presente e nosso presente é mais largo do que um instante, mais largo do que o agora. Essas coisas ainda assombram o presente. De que maneira? Existem vários estudos, mas o mais interessante é o da socióloga norte-americana Kathryn Sikking, que ao analisar diversos países da América Latina, constata que o Brasil é o único em que os casos de tortura aumentaram em relação ao período de ditadura militar. Ou seja, hoje se tortura mais do que na época do regime militar.


EC – Essa prática se transformou numa questão cultural que permanece viva em práticas policiais e milicianas? 

Safatle – Exatamente. Uma coisa completamente presente em nossa vida. Este é um exemplo que demonstra a necessidade de se elaborar o passado. Outro exemplo: o golpe militar não foi só um golpe militar. Ele foi civil e militar, pois foi apoiado por vários setores civis. A Operação Bandeirantes, essa estrutura montada de tortura que aconteceu em São Paulo, foi financiada com dinheiro de empresas. Mas não sabemos ainda quais foram essas empresas que fizeram parte da base civil de sustentação do regime. Esses grupos que financiaram crimes contra a humanidade são empresas que ainda existem e possuem relações incestuosas com o Estado. Grande parte dessas empresas são os maiores corruptores do Estado até hoje. Um dos suspeitos é a Camargo Corrêa, que aparece até hoje simplesmente em todos os casos de corrupção desse país. Ou seja, não há nada de estranho nisso, em momento algum a sociedade se voltou contra esses atores e questionou as suas práticas ou exigiu uma retratação. Nesse sentido, a gente percebe que as velhas práticas continuaram.

EC – E as empresas de comunicação? 

Safatle
 – Isso sem contar os grupos ligados às empresas de comunicação, que se colocaram muitas vezes como vítimas, enquanto foram participantes do processo. Como último exemplo, se você pega o capítulo sobre segurança nacional da Constituição de 1988 e compara com o mesmo capítulo da Constituição de 1967. É praticamente o mesmo texto. O Brasil tem uma Constituição, que entre outras coisas, legaliza o golpe de estado. Um dos artigos diz mais ou menos o seguinte: “As Forças Armadas são garantidoras da ordem nacional e elas podem ser chamadas por qualquer poder caso essa ordem seja quebrada”. Que ordem é essa, ninguém sabe. Bom, qualquer poder pode ser o José Sarney, por exemplo, como presidente do Senado, fazendo um discurso dizendo que a ordem moral do país foi quebrada e as Forças Armadas podem compreender isso como um chamado da nação e fazer um golpe de estado completamente legal. Ou seja, a nossa estrutura institucional está ainda extremamente permeada por dispositivos herdados da ditadura.

EC – O senhor tem conhecimento de como foram os bastidores da aprovação dessa proposta de comissão?

Safatle – Foi completamente vergonhoso, pois foi uma decisão entre líderes de partidos, onde, por exemplo, a deputada Luiza Erundina fez uma série de tentativas de emendas e todas foram barradas. Entre elas, uma ligada à chamada Lei de Anistia. O Brasil tem uma interpretação que vai contra todo o direito internacional sobre essa questão. Tanto foi assim que o Brasil foi julgado na Corte Interamericana de Justiça, entre outras coisas, por causa desta Lei. A leitura brasileira é uma leitura surreal do tipo: houve um acordo, então não se fala mais nisso. Primeiro que não houve acordo nenhum. Foi uma imposição da ditadura militar, tanto que o projeto foi votado e os deputados da oposição não estavam presentes no plenário. Essa Lei que foi editada em 1979 anistiava todas aquelas pessoas que haviam cometido crimes contra a ordem pública no interior da ditadura. Só que existia um artigo que dizia mais ou menos o seguinte: excetuam-se da anistia aqueles que cometeram crimes de sangue, crimes conexos, sequestro, atentados e outros dessa natureza. As pessoas que cometeram esse tipo de crime continuaram presas. Quem assaltou um banco para financiar a resistência ao regime não foi objeto de anistia. Em outras palavras, a anistia existiu só para os militares. Não se quer mexer na Lei de Anistia, mas fazer com que se cumpra para os dois lados, ou pelo menos que não seja interpretada da maneira hegemônica, como foi feito até hoje, que foi estabelecida por um tribunal de justiça militar em 1981. Ou seja, de que a letra da Lei diz que, em última instância, ninguém que cometeu crimes no interior do Estado vai ser julgado. Porém, não é isso que diz, mas outra coisa, que crimes de sangue e sequestro são exceções, por exemplo. O Estado brasileiro cometeu crimes de sangue e sequestro, então, não poderia ser objeto de anistia. Outra coisa que dizia é que os crimes prescreveram. Mas crimes contra a humanidade não prescrevem. Os chilenos utilizaram a seguinte questão: “os corpos das vítimas dos crimes não foram encontrados”, então o crime ainda existe. Se você tem 300 corpos desaparecidos, esses crimes ainda existem. Ocultação de cadáver é crime, portanto, o crime ainda está existindo. Não prescreveu. Passou, inclusive, de 1979.

EC – Isso passa também pela questão do Araguaia, em que o Brasil desrespeita a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA. A sentença diz que o governo brasileiro deve investigar, julgar e punir torturadores. Como o senhor vê esse desdobramento da questão? 

Safatle – Eu insisto numa coisa, que não se pode reduzir a questão somente ao interesse dos familiares das vítimas. O fato de que boa parte da sociedade brasileira entende dessa forma demonstra que, de certa maneira, a ditadura venceu. Ela conseguiu realizar o que pretendia, ou seja, uma situação em que mesmo o sofrimento daqueles que lutaram contra a ditadura militar fosse visto pela sociedade não como uma maneira da sociedade mostrar que ela sofreu, mas como um mero sofrimento individual que, no máximo, merece algum tipo de reparação ou indenização. Em momento algum a sociedade consegue fazer o entendimento de que esses sofrimentos individuais, na verdade, eram a maneira que toda a vida social demonstrava um sofrimento que estava ligado à situação política da época.

EC – Seria uma maneira de editar a memória social?

Safatle – Exatamente. Acaba sendo uma maneira de anular a memória social, dizendo que existem apenas memórias particulares. Mostra-se muito claramente como isso fez com que a substância normativa da vida social brasileira se desagregasse. Como se a democracia brasileira continuasse sendo imperfeita. Na verdade, tudo isso demonstra como esta questão é da mais alta importância.

EC – Imperfeita é sinônimo de frágil? 

Safatle – É sinônimo de uma democracia que não consegue resolver seus problemas. Que esbarra sempre nas mesmas questões e não avança. Tem um movimento circular.

EC – Isso se dá também porque os atores da vida democrática do país são sempre os mesmos? 

Safatle – Por um lado, a gente não conseguiu ainda retirar aqueles atores que participaram da ditadura militar. Eles continuaram todos a influenciar durante décadas. Sarney que o diga (risos). Ele é um autêntico fruto da ditadura que continuou. Está aí, ainda tem força e muito poder. Eu diria que o maior legado da ditadura militar foi essa desagregação da substância normativa da vida social brasileira, que citei anteriormente. Todo mundo sabe que a ditadura militar brasileira foi diferente das outras. Não foi uma ditadura de lei e ordem clássica, como foi a chilena. Era uma ditadura onde se tinha partido de oposição, dava para ir na banca e comprar o Capital, de Karl Marx, capa-dura versão Os Pensadores, isso em pleno governo Médici. Nas universidades podia-se dar aula sobre socialismo normalmente, havia músicas de protesto, apesar da censura. Havia uma aparência de normalidade. No entanto, todo mundo sabia que a qualquer momento a ditadura poderia, de uma maneira completamente arbitrária, escolher, pinçar alguém e desaparecer com essa pessoa, torturá-la, prendê-la. A gente vivia numa situação em que não era possível estabelecer uma diferença clara entre o arbítrio e a lei. Essa é a pior situação de uma ditadura, porque ela embaralha completamente a diferença entre a lei e a sua ausência.

EC – Isso é mais sentido na cultura da segurança pública?

Safatle – Sim, entre outras coisas. Por isso, até hoje se tem medo dos agentes da segurança pública. Sabemos que a qualquer momento eles podem impor a lei ou estar fora dela. Essas circunstâncias são heranças diretas da ditadura. O que acho fundamental é quebrar a ideia de que isso só diz respeito aos familiares, pois é necessário demonstrar muito claramente como um país incapaz de elaborar seu próprio passado sofre com seu presente. Essa incapacidade de compreender e julgar os crimes do passado nos coloca numa posição de vulnerabilidade em relação à lei no presente. Aqueles que ficam indignados contra a corrupção não podem admitir que agentes corruptores do estado, que no período mais negro da história brasileira operaram de maneira absolutamente incestuosa, continuem até hoje sem sequer pedir perdão à sociedade.

EC – Seria correto dizer que durante o período da ditadura se criou uma escola de corrupção do estado e se usou o estado para corromper? 

Safatle – Como em toda a ditadura militar, eles querem dar a impressão de que são de alta patente moral, mas quando você começa a investigar melhor a história, começa a descobrir que são uma grande cortina para os atos mais absurdos. Isso aconteceu no Chile. Diziam que o Pinochet era uma pessoa honesta, depois descobriram altas contas em bancos suíços e norte-americanos. Aqui não foi diferente. Mas só se descobriu isso porque foi investigado. Por isso tenho certeza absoluta de que, se começarem a fazer esse tipo de processo no Brasil, muita coisa vai aparecer. Não sabemos quase nada sobre esse período. Nós não temos ideia e fazemos tudo para não querer saber. Há muito mais coisas do que a gente imagina. Na guerrilha do Araguaia, por exemplo, eles criaram um campo de concentração, onde prenderam todos os homens numa região do tamanho da Holanda. Um governo que é capaz de fazer isso, imagina o que deve ter feito e nunca apareceu… Os grandes corruptores do Brasil saíram da ditadura: Maluf não foi por acaso.

Fonte: http://www.sinprors.org.br/extraclasse/out11/imprimir.asp?id_conteudo=214

 

Fernando Nogueira Martins Júnior

Advogado criminalista. Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da UFMG. Membro da

Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais (CDH-

OAB/MG).

“Sacerdotes, professores, mestres, vós vos enganais entregando-me à

Justiça. Jamais pertenci a este povo daqui de baixo; jamais fui cristão; eu

pertenço à raça que cantava no suplício; não compreendo as leis; não tenho

senso moral; sou um bruto.”

Arthur Rimbaud, “Uma temporada no inferno”

Em alguma instância todo crime é político: ele é uma manifestação de

inconformismo com um corpo normativo posto que reflete necessariamente uma

determinada pauta moral e determinados interesses de grupos que detêm a

hegemonia política numa dada sociedade.O crime político conta com a leniência

do direito internacional, tendo a si vinculados institutos com o asilo ou refúgio e a

proibição da extradição. Tradicionalmente isto se dá porque o criminoso por vezes

tem motivos nobres, ou em resumo (como disse um internacionalista de nome

agora ignorado por nós): “o criminoso de hoje é o estadista de amanhã”.Todavia, a

diferença entre um crime político per se e um crime comum, ao contrário do que o

senso comum pode sustentar, é muito tênue. A motivação política – classicamente

conceituada como vontade orientada para a mudança de determinado governo ou a

reproposição dos referenciais políticos de um determinado Estado – é o que em tese

diferencia um do outro.

A questão é que muito do que está codificado num Código Penal pode ter

um fundo político claro. Um ataque a um policial pode vir de um repúdio genuíno à

violação sistemática de direitos humanos promovida pela instituição policial; o tráfico

de drogas numa determinada comunidade pode tem como intuito substituir mesmo o

Estado na prestação de serviços básicos em comunidades carentes, negligenciadas

pelo poder estatal. Por mais que esta idéia possa repudiar a muitos, tal seria o

caráter de várias ações da facção criminosa paulista de nome “Primeiro Comando

da Capital” (PCC).

Esta lógica é tão pertinente que já foi compreendida no sentido contrário

por juristas e governantes de talhe autoritário ao redor do globo: hoje o crime com

motivação ostensivamente política, mas que tem previsão no Código Penal comum

(ou seja, 99,99% dos crimes políticos) já são tratados como crimes comuns, sem os

privilégios tradicionalmente concedidos a perpetradores de delitos desta cepa; ou

seja, a linha tênue entre crime político e crime comum foi ultrapassada, no sentido

da fragilização de garantias penais e internacionais consagradas.

Não obstante o crime político continua sendo algo louvável. Explicamos por

quê.

Todos os direitos e garantias fundamentais previstos em nossa Constituição

e em tratados internacionais não foram dados, mas conquistados – às vezes com

sacrifícios terríveis. E aqueles que advogaram tais direitos , em um momento ou

outro, foram considerados criminosos políticos – ou terroristas, piores que o mais

vicioso criminoso comum.

Mahatma Gandhi foi preso infindáveis vezes por crimes políticos, porque

lutava contra o colonialismo inglês; Martin Luther King e outros líderes e vozes

do movimento pelos direito civis dos negros americanos também foram presos

inopinadamente, ao bel-prazer das polícias dos estados norte-americanos; Angela

Davis, filósofa e professora norte-americana ainda viva, quando era membro do

Partido dos Panteras Negras na década de 1960 e lutava acirradamente em prol

dos direitos da população negra em seu país, entrou para a lista dos dez mais

procurados pelo FBI – chegando ao número um da lista1 – e foi alvo de uma das

maiores caçadas humanas já realizadas. Foi absolvida de todas as acusações

(internacionalmente reconhecidas como infundadas), principalmente devido à

mobilização mundial para sua soltura; Nelson Mandela ficou 27 anos preso porque

havia se rebelado contra o sistema de segregação racial brutal existente em seu

país, a África do Sul. Até meados de 2008 Mandela era considerado terrorista pelo

governo dos EUA, o que ensejou uma moção no Congresso americano para retirar

seu nome2. E etc, etc, etc.

A luta pelos direitos humanos corre sempre o perigo da criminalização ou da

repressão pelo discurso de “guerra ao terror”3, velho mas sempre reapresentado.

Portanto o cidadão consciente e responsável acaba podendo, num estalar de

dedos, se transformar num criminoso político de alta periculosidade. Estando então

suscetível de sofrer os horrores das Guantánamos do mundo ou mesmo a violência

final dos muros nazistas (infelizmente ainda existentes, ainda que com outra

roupagem) que eram reservados ao fuzilamento dos “maquisards”, membros da

Resistência francesa.

Entretanto, cremos que tal risco é inafastável. Definitivamente a ânsia de

liberdade, a busca de democracia concreta é algo muito, mas muito perigoso.

..

Publicado em 26/05/2012  Gazeta do povo – Curitiba

Paulo Abrão, secretário nacional de Justiça e presidente da Comissão de Anistia

 

Instalada na semana passada, a Comissão da Verdade trabalhará integrada à Comissão de Anistia, ligada ao Ministério da Justiça e em andamento há 11 anos. O secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, destacou que essa integração ajudará as duas frentes de investigação a promover a indentificação das violações graves aos direitos humanos e de seus autores, não apenas os que cometeram crimes físicos.

“A violência de uma ditadura não é medida pela pilha de corpos que ela é capaz de produzir, mas pela cultura autoritária e de medo que faz com que a sociedade fique receosa de exercer suas liberdades”, afirmou o secretário.

Abrão, que é presidente da Comissão de Anistia, esteve em Curitiba na última quinta-feira para proferir uma palestra para estudantes da Unibrasil sobre a Comissão da Verdade e sua relação com os tribunais de justiça. Em entrevista à Gazeta do Povo, na qual ressaltou a importância da busca por uma narrativa da história brasileira, principalmente no que se refere ao período da ditadura militar.

Existe um impasse entre a sociedade civil e os militares sobre a apuração dos crimes cometidos durante a ditadura pela Comissão da Verdade. Qual o objetivo de continuar buscando a verdade sobre essa época?

É importante conhecer as violações que o Estado produziu ao longo do tempo. O esquecimento é tradicional no Brasil. Nunca enfrentamos as piores transgressões da nossa história, como a escravidão, a Guerra do Paraguai e a própria ditadura militar. Por isso, este momento de mudança de olhar sobre o passado para aprender com os erros é tão relevante. A perspectiva de punição depende da decisão do nosso poder judiciário e aguardamos um pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre os embargos que a Ordem dos Advogados apresentou.

A Comissão da Verdade tem caráter investigativo e não prevê punição aos autores dos crimes evidenciados. Quais seriam os efeitos da Comissão se ela fosse punitiva?

Nenhuma Comissão da Verdade do mundo assumiu uma perspectiva punitiva. Ela deve construir uma narrativa da história, promover a sistematização das violações graves e a identificação dos autores dos crimes. Somente um sistema de justiça pode aplicar penalidades e, eventualmente, afastar legislações que atrapalham as investigações. Por mais expectativa que as vítimas tenham de que a Comissão possa gerar a abertura de ações criminais no futuro, isso dependerá, única e exclusivamente, do Poder Judiciário.

Como ocorre a integração entre a Comissão da Verdade e a de Anistia?

Acertamos três medidas principais de integração. A primeira é de disponibilizar todo o acervo acumulado nos dez anos de trabalho da Comissão da Anistia. São depoimentos gravados, registros das vítimas e 70 mil processos administrativos que formam o maior acervo da história do país. Em segundo lugar, faremos reuniões periódicas para troca de dados e, do mesmo modo, a Comissão da Verdade também disponibilizará suas informações. Por fim, teremos encontros de metodologia para que haja uma sinergia entre o que tivermos produzindo em torno dos levantamentos históricos para que tudo seja aproveitado pelas duas Comissões.

Nesta semana, a Comissão de Anistia indeferiu o pedido de reparação do ex-praça da Marinha José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo. Na ocasião, o senhor afirmou que “é juridicamente impossível o Estado reparar quem assumiu o papel de violador dos direitos humanos”. Qual a tendência seguida no julgamento desses militares?

Temos um conjunto de militares que foram perseguidos políticos e se apresentaram na Comissão da Anistia. Eles não aceitaram a instrumentalização da repressão e boa parte acabou expulsa das forças militares. Essas pessoas têm anistia. Já os militares que serviram à repressão proporcionam situações diferentes. Nenhum estado de direito concebe premiar os causadores das violações de direito humanos. A reparação é devida às vítimas da violência e é por isso que a Comissão de Anistia negou o pedido do Cabo Anselmo.

O senhor acredita que a Comissão da Verdade deve cumprir o prazo de dois anos para finalização dos trabalhos?

Estou otimista que sim. Tudo depende da metodologia e do estafe administrativo que a Comissão da Verdade utilizará para desenvolver seus trabalhos. É possível fazer isso em dois anos. Se, ao final dos trabalhos, se verificar que é necessário um tempo a mais para que tudo seja averiguado, que se negocie com o parlamento brasileiro no futuro.

Quase 50 anos depois do golpe, como o senhor vê a volta da discussão sobre os crimes militares no Brasil?

É uma oportunidade para o país fazer uma reflexão profunda de que não é possível que, em determinados momentos da história, algumas pessoas possam usurpar o poder de modo ilegítimo e implantar um regime autoritário de violações aos direitos básicos da cidadania. A criação da consciência de rejeição ao autoritarismo é um passo significativo para a democratização das próprias relações sociais. A democracia é um processo, não um fim em si mesma. Temos que estar permanentemente atentos e semeando seus valores.

Temas considerados fundamentais pela Or ganização das Nações Unidas, como a busca pela paz e a garantia dos direitos humanos, estão sempre em pauta nos grandes encontros internacionais. Como o Brasil se encontra nessa discussão, visto a dificuldade entre os próprios aliados da presidente Dilma Rousseff na aprovação da PEC do Trabalho Escravo, pr exemplo?

A ampliação dos direitos humanos é um processo que envolve a mobilização da sociedade civil. Depois que a democracia foi instalada, a sociedade brasileira se fortalece, cada dia mais, com as organizações autônomas, movimentos sociais e entidades representativas. Ela tem exigido novas conquistas e ampliação do campo jurídico de proteção da cidadania. A ideia de que os direitos humanos devem ser a base de todas as relações políticas e sociais não é aceita por determinados setores mais conservadores da sociedade. É uma disputa permanente, mas o Brasil tem avançado no campo dos direitos humanos com conquistas significativas.

O senhor defende o projeto de lei sobre imigração, que está há três anos no Congresso Nacional. A Secretaria Nacional de Justiça tem uma posição contrária à Secretaria de Assuntos Estratégicos, ligada à Presidência da República, no que diz respeito ao favorecimento da entrada de imigrantes qualificados em detrimento de mão de obra não capacitada. Por quê?

O tratamento da matéria sobre imigração deve seguir o princípio da não discriminação e seletividade na entrada de imigrantes no Brasil. Isso causa um ambiente de diferenciação por classes sociais ou níveis de escolaridade que não pode ser adotado, segundo o princípio de igualdade garantido na nossa constituição. Hoje, o Brasil voltou a ser um país de atratividade para os que buscam novas oportunidades para suas vidas. Nesse instante, precisamos reafirmar a nossa vocação e tradição de ser um país democrático, aberto a todos e receptivo aos migrantes, que sempre cumpriram um papel estratégico e fundamental para o desenvolvimento econômico, histórico e cultural do Brasil.

 

Autor(es): agência o globo:Daniel Aarão Reis
O Globo – 15/05/2012
Quase seis meses depois de aprovada, a Comissão da Verdade
foi, afinal, nomeada. Demorou, mas foi o preço pago para obter
um amplo consenso, o que já se evidenciara nos debates que
resultaram na lei que a constituiu.

A Comissão vai ter que lidar com suas condições. Inquieta a
dependência do governo. Disse o ministro Gilson Dipp, designado,
não se sabe por quem, porta-voz da Comissão, que a presidente
Dilma Rousseff “deu liberdade absoluta e total” para o grupo. Ora,
quem “dá” pode “tomar”. Por outro lado, anunciou-se que a chefe da
Casa Civil, Gleisi Hoffmann, vai acompanhar “de perto” os trabalhos.
Não seria melhor que ela ficasse “de longe”, garantindo à Comissão
uma indispensável autonomia?

O escopo da Comissão preocupa igualmente. A lei previu que as
investigações devem cobrir o período que vai de 1946 a 1988.
Uma concessão clara aos partidários da última ditadura, feita para
inviabilizar trabalhos previstos para um prazo máximo de dois anos.
No entanto, alguns membros da Comissão já se dispõem a ignorar
este mandamento da lei, sugerindo que o “foco principal” seja
a “ditadura militar”.

Em outros aspectos, contudo, a lei será “intocável”: a comissão
não se preocupará com “punições”, nem questionará a recente
decisão do Supremo Tribunal Federal, que estendeu a anistia
aos torturadores. Unindo governo e comissão, sugerindo prévias
combinações, o coro também é afinado na afirmação de que “não
haverá revanchismos”, outro mote, repetido para afagar o
corporativismo das Forças Armadas e sua visceral ojeriza, evidente
até hoje, a contribuir para o esclarecimento dos crimes cometidos
por seus oficiais e demais agentes da ditadura.

A preocupação com o “revanchismo”, cuja existência não se
demonstra, mas que é sempre necessário exorcizar, enraíza-se na
idéia da “guerra suja”. Trata-se de uma fórmula usada não apenas
no Brasil, mas também na Argentina, no Uruguai e no Chile. É
simbólico que ela tenha aceitação aqui e quase nenhuma entre os
vizinhos. Decorre daí que dezenas de oficiais das Forças Armadas
naqueles países estejam na cadeia ou sendo objeto de processos
judiciais, enquanto em nosso país permaneçam cobertos pelo manto
da impunidade.

Os autores da idéia da “guerra suja” querem fazer acreditar a versão
de que houve no país um enfrentamento de grandes proporções,
onde teriam se batido “dois lados”. No entanto, o Brasil não
conheceu nenhum conflito desse tipo. Ocorreram aqui algumas
dezenas de ações armadas – uma guerrilha – informadas por um
projeto revolucionário, que, em sua diversidade (havia muitas
– pequenas – organizações), tinham em comum a tentativa de
derrubar a ditadura e destruir o sistema econômico que era seu
fundamento – o capitalismo. O projeto não encontrou respaldo
na sociedade. E seus adeptos foram massacrados pelo Estado
brasileiro – presos, torturados, mortos e exilados. Nesse massacre,
as Forças Armadas, através do emprego sistemático da tortura,
destruíram seus “inimigos”. Mas não existiram “dois lados” em
luta, como num combate convencional, ou numa guerra popular
de guerrilhas. Houve, sim, o Estado contra algumas centenas de
revolucionários numa luta extremamente desigual, onde oficiais
das Forças Armadas e policiais civis cometeram crimes de lesa-
humanidade. São esses crimes que, agora, a Comissão tem a
missão de investigar e elucidar.

E aí haverão de aparecer os torturadores. De forma clara e oficial.
As atrocidades, infelizmente, não foram cometidas nem pelo
Diabo, nem por “monstros”, mas por seres humanos. Eles, como
responsáveis diretos, têm contas a prestar, porque, segundo
tratados internacionais assinados pelo Brasil, praticaram crimes
imprescritíveis.

Entretanto, e aí o trabalho da Comissão pode ser igualmente
decisivo, os torturadores não deveriam ser apontados como “bodes
expiatórios”. O trabalho sujo que fizeram não foi “um excesso”, nem
um “desvio”, mas o resultado de uma política de Estado, e seria
esclarecedor conhecer a chamada “cadeia de comando”: de onde,
quando e como vinham as ordens ou as autorizações para a prática
das torturas. Eis um nó difícil de desatar. Porque não estarão mais
em jogo – ou no banco dos réus – algumas dezenas de assassinos,
mas cidadãos supostamente acima do bem e do mal, presidentes
da república, ministros, comandantes e associados. Sem falar em
outros “homens honrados”, como, por exemplo, os empresários que
financiaram a máquina repressiva.

Finalmente, a Comissão tem o desafio de lançar à discussão da
sociedade a tradição sinistra da tortura. Desgraçadamente, não foi a
última ditadura que a inventou. Vem de longe – dos tempos coloniais
e da escravidão. Foi usada por uma outra ditadura – a do Estado
Novo, liderada por Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945 – que também
recorreu à tortura como política de Estado. E basta abrir os jornais
para constatar que a infame prática continua bastante naturalizada e
aceita como “recurso” por vários segmentos da sociedade brasileira.

Os torturadores, a tortura como política de Estado e a tortura como
tradição. Tratar das três questões, entrelaçadas, seria um trabalho à
vera e não à brinca. A Comissão da Verdade terá as condições – e a
vontade – de fazê-lo?

Daniel Aarão reis é professor de história contemporânea da
Universidade Federal Fluminense

 


 

Desvendar o passado para entender o presente. É com este objetivo que alunos do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da UFMG, em parceria com outras entidades, promoverão o primeiro Congresso Justiça de Transição para um Estado Democrático de Direito, que ocorrerá nos dias 29 de maio a 1º de junho, no auditório da instituição. Tendo como gancho a instalação da Comissão da Verdade, cujo foco são as investigações de violações de direitos humanos e crimes políticos cometidos por agentes do Estado brasileiro entre 1946 e 1988, o evento, que faz parte da programação dos 120 anos da Faculdade, irá receber convidados ilustres para repercutir os assuntos ligados ao tema.

 

Entre os palestrantes estão o prof. Dr. Oscar Vergara, da Universidade espanhola of A Coruña, e o Prof. Dr. Paulo Abrão, Secretário Nacional de Justiça, que abrirão as atividades com uma conferência sobre o processo de transição brasileira para a democracia.

 

“Queremos que a sociedade entenda que a Comissão da Verdade vai além dos seus sete representantes. Se pararmos para pensar, ainda vivemos alguns resquícios da repressão, que refletem nas estruturas institucionais, principalmente as que são ligadas à segurança pública. Acreditamos que, através da reflexão do passado e do meio de transição dos regimes, poderemos promover uma real justiça de transição”, destaca Philppe Rodrigues da Silva, aluno e membro da organização do Congresso.

 

Além de vários professores e figuras públicas notórias, estarão presentes, também, Gilney Viana, Secretaria Nacional de Direitos Humanos, e Nilmário Miranda, político e ex-aluno da Faculdade de Direito da UFMG. A programação contará com painéis e Grupos de Trabalhos para aprofundar a questão das violações aos direitos humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o direito à verdade e à memória e a criação da Comissão da Verdade.

 

Ao final do evento haverá uma confraternização com apresentações. O Congresso é aberto ao público e as inscrições podem ser feitas através do site www.semjusticadetransicao.wordpress.com.

 

Memorial Estudantil

 

Concomitante ao congresso será lançado na instituição o Memorial do Movimento Estudantil da Faculdade de Direito. Documentos e imagens exclusivas cedidas pela Secretaria de Direitos Humanos resgatarão a memórias e mostraram a atuação política dos grupos de estudantes organizados.

 

“A Faculdade é símbolo de resistência e opressão. Alunos foram presos e torturados nos tempos obscuros da Ditadura. Vamos fazer valer a luta deles e continuar as discussões sobre a conquista da democracia ”, afirma.

 

Serviço:

 

CONGRESSO JUSTIÇA DE TRANASIÇÃO

 

Data: 29 de maio a 1º de junho de 2010

 

Local: Auditório Maximum Adeodato da Faculdade de Direito da UFMG – Av. João Pinheiro nº 100 – Belo Horizonte/MG

 

Preço: R$10

 

Inscrições e informações: www.semjusticadetransicao.wordpress.com


Vladimir Safatle

“Toda violação dos direitos humanos será investigada.” Com essa frase, Gilson Dipp, um dos integrantes da Comissão da Verdade, procurou constranger setores da esquerda que procuram levar a cabo as exigências de punição aos crimes da ditadura militar.

Trata-se de pressupor que tanto o aparato estatal da ditadura militar quanto os membros da luta armada foram responsáveis por violações dos direitos humanos. É como se a verdadeira função da Comissão da Verdade fosse referendar a versão oficial de que todos os lados cometeram excessos equivalentes, por isso o melhor é não punir nada.

No entanto o pressuposto de Dipp é da mais crassa má-fé. Na verdade, com essa frase, ele se torna, ao contrário, responsável por uma das piores violações dos direitos humanos.

Sua afirmação induz à criminalização do direito de resistência, este que -desde a Declaração dos Direitos Universais do Homem e do Cidadão- é, ao lado dos direitos à propriedade, à segurança e à liberdade, um dos quatro direitos humanos fundamentais.

Digamos de maneira clara: simplesmente não houve violação dos direitos humanos por parte da luta armada contra a ditadura. Pois ações violentas contra membros do aparato repressivo de um Estado ditatorial e ilegal não são violações dos direitos humanos. São expressões do direito inalienável de resistência.

Os resistentes franceses também fizeram atos violentos contra colaboradores do Exército alemão durante a Segunda Guerra, e nem por isso alguém teve a ideia estúpida de criminalizar suas ações.

Àqueles que se levantam para afirmar que “a guerrilha matou tal soldado, tal financiador da Operação Bandeirantes”, devemos dizer:

“Tais ações não podem ser julgadas como crimes, pois elas eram ações de resistência contra um Estado criminoso e ditatorial”.

O argumento de que tais grupos de luta armada queriam implementar regimes comunistas no país não muda em nada o fato de que toda ação contra um Estado ilegal é uma ação legal. O que está em questão não é o que tais grupos queriam, mas se um Estado ilegal pode criminalizar ações contra sua existência impetrada por setores da população.

Como se não bastasse, integrantes da Comissão da Verdade que dizem querer investigar ações dos grupos de resistência “esquecem” que os membros da luta armada julgados por crimes de sangue não foram anistiados. Eles apenas receberam uma diminuição das penas.

Ou seja, os únicos anistiados foram os militares, graças a uma lei que eles mesmos fizeram, sem negociação alguma com a sociedade civil.