Durante o período da Ditadura Militar, iniciada com o golpe de 1964, viveram-se tempos anômalos, em que perseguições políticas, restrições a direitos individuais, práticas de tortura e violações aos direitos humanos foram não somente práticas corriqueiras, como também institucionalizadas e legitimadas pelo discurso de proteção à segurança nacional.
Décadas depois de já findado esse regime antidemocrático, entretanto, pouco foi efetivamente realizado no sentido de promover o reconhecimento dos direitos violados, a elucidação do que efetivamente ocorreu, a exposição da verdade e a reparação aos danos sofridos pelos familiares das vítimas de então.
De fato, as ideias de reconciliação e de pacificação social, ideais para a superação do passado e a prevenção de semelhantes erros no futuro, têm sido usadas mais como pretextos para encobrir arquivos sigilosos, evitar a discussão sobre o tema e ocultar dados que comprometeriam agentes estatais à época.
Limita-se à indenização de vítimas e de familiares, à anistia geral, entre outras medidas pontuais, a fim de que não se abra espaço para o revanchismo ou para a abertura de feridas passadas. Todavia, ao não fazê-lo por meio de uma perspectiva ampla e transformadora e ao polarizar os interesses dos envolvidos, impedem o resgate por inteiro da memória, essencial para a compreensão de um passado e das forças sociais antagônicas que levaram a ele.
Nesse sentido, falha-se ao tentar estabelecer institutos para uma justiça de transição, a saber, instrumentos que possibilitem às sociedades que viveram períodos de extrema repressão, uma pacificação social, duradoura, capaz de aclarar o passado e proporcionar esperanças e mecanismos de melhoria para os tempos vindouros.
Se, por um lado, percebe-se uma tentativa de averiguação e resolução dos conflitos passados e a compensação às famílias de vítimas por meio de caravanas e pela Comissão da Verdade, por outro lado, observa-se a perpetuação de elementos institucionais residuais do período ditatorial, sobretudo nas forças estatais a cargo da segurança pública. Justamente pela inexistência de modificações mais profundas a fim de se obter uma mudança material efetiva na organização estatal, adequando-a aos novos moldes democráticos firmados pela Constituição da República Federativa de 1988, permanecem os casos de abuso de força, torturas policiais, operações de pacificação que desrespeitam os direitos humanos, entre outras práticas perniciosas.
Tudo isso devido à ideia de normalidade desses abusos, resquícios de uma ausência de punição dos agentes estatais de outrora cometeram as mais diversas atrocidades, pelas quais não foram responsabilizados. De fato, é questionável se a Lei da Anistia, ao conceder perdão geral pelos crimes políticos, favoreceu alguns segmentos sociais ou se, de fato, evitou que a matéria se tornasse alvo de desavenças pessoais e revanchismos. Compara-se, ainda, tal medida às adotadas pelos países latino-americanos em situações similares, tais como Argentina e Uruguai.
Certo é, no entanto, que tais opções legislativas vão de encontro às determinações dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Se no país a Lei da Anistia considerou a tortura como um crime político de tempos de exceção, o posicionamento internacional é de que não se tratam de questões internas, políticas ou governamentais, mas de violações de âmbito e impacto globais, posto que cometidos contra os diretos humanos universais.
Nessa sistemática, o movimento estudantil, antes pivô de exigências por mudanças estruturais no Brasil, também dentro do espaço da Faculdade de Direito e, sobretudo no Território Livre de Matta Machado, rememora sua atuação e se demonstra, ainda, exigente no que tange mudanças estruturais e conjunturais pelo poder público, em prol de um debate sério pela justiça.
É nesse cenário que o Centro Acadêmico Afonso Pena (CAAP) e o Centro Acadêmico de Ciências do Estado (CACE) – entidades suprapartidárias de representação do corpo discente da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (FDUFMG) – vêm promover o Congresso Justiça de Transição para um Estado Democrático de Direito que inaugurará o Memorial do Movimento Estudantil da Faculdade de Direito
Nosso intuito não é apenas refletir sobre o passado, mas debater como a transição (anti)democrática no Brasil reflete, ainda hoje, nas estruturas institucionais brasileiras, sobretudo as vinculadas à segurança pública, acarretando uma imensa insatisfação social e tornando necessário estimular os poderes públicos a promoverem uma real Justiça de Transição, observadas todas as suas etapas e abrangência.
Deixe um comentário